Os sinais de uma epidemia do vazio estão por toda parte. Ora, quem prestar atenção à realidade cultural hodierna logo percebe a contaminação desenfreada por um vácuo que nos cerca e faz penetrar em nós, através do comportamento e do discurso, uma espécie de inutilidade fundamental.
Como um hábito social dominante, as taras da multidão são os vetores perfeitos para o vírus da falta de nexo e conteúdo; e são elas a garantir a presença irremediável do nada na modernidade que percorre, paralelamente, caminhos completamente contraditórios. De um lado, um novo iluminismo repleto de significação e liberdade. Do outro, a falta de critério que desconstrói o bom senso mediante o esgotamento da vontade de pensar.
Mas esse enfrentamento é especialmente curioso no momento em que somos, desde o nosso nascimento, constantemente possuídos por esse paradoxo arquetípico e sempre muito perturbador, resistente ao espírito, como um estigma que haverá de nos acompanhar a vida inteira.
É evidente que, enquanto espécie pensante e social, estamos enredados num conjunto de particularidades intelectuais, sociais e culturais que, per se, são conflitantes. E é justamente por isso que permitimos inconscientemente que tais vazios façam parte do nosso cotidiano, sem saber que são instrumentos indispensáveis à sobrevivência de uma civilização. De fato, como dizia Almada Negreiros, “não há cultura sem civilização, nem civilização que perdure sem cultura”.
E se toda cultura é repleta de vazios, então não é exagerado dizer que não podemos habitar a vastidão bestial dessa vacuidade, pois não somos superiores a ela e ainda que fôssemos não sobreviveríamos à austeridade da razão.