Nas fronteiras do inverossímil

Ilustração: Jussara Germano


É com nostalgia da inocência de um dia que tomo a liberdade de parafrasear Milan Kundera[1] para dizer que quanto mais atentos olharmos para a realidade, mais convencidos ficaremos sobre o afastamento da opinião que temos dela.

Basta um olhar mais apurado, pousado demoradamente em nossas vidas, para nos conduzir a uma variável intuitiva: vivemos num mundo perfeitamente explicado, mas francamente inverossímil.

Sob a luz desse raciocínio é fácil perceber que a maior parte da veracidade que possuímos apresenta-se como fruto de infindáveis informações e motivações, notoriamente convenientes, aptas a criar uma zona de conforto que não transgrida o razoável e que preencha nosso limbo sentimental, tão hábil em poetizar…

Que não seja um problema poetizar, posto que é sonhar, mas que se evite o escapismo!

É claro que diante de reflexão tão fértil e intrincada generalizar mostra-se inadequado. No entanto, sinto como se pairasse sobre nós uma espécie de especulação psicológica que põe em xeque os sonhos mais genuínos ao dissimular e embrulhar para presente intenções danosas, sob o pretexto de saciar a nossa fome de viver.

De alguma forma resta-nos, porém, uma alternativa. Examinar em pormenores nossa realidade particular, pois só assim poderemos idealizar e esperar encontrar as próprias verdades. 

Sei que não está na moda defender o que se pensa, mas acredito ser imprescindível contestar para ultrapassar as fronteiras do inverossímil.


[1] Milan Kundera in A cortina: ensaio em sete partes